domingo, 26 de dezembro de 2010

O Novo Manifesto cap.1 - O Manifesto

          Vejo cada vez mais as pessoas se transformando em objetos. Sendo treinados para serem empregados e úteis ao mercado de trabalho. Essas pessoas já não são mais humanos, vestem máscaras, são contadores, limpadores de vidro, vassouras. Assim como objetos, são montados, usados e por fim descartados.

         Na primeira etapa deste processo há a montagem ou a educação desses indivíduos. No Brasil vemos dois extremos. Do lado da educação pública, hoje em decadência, há um treinamento fraco e defasado. Há a formação de indivíduos mal-instruídos e sem competitividade nenhuma no tão falado mercado de trabalho. Pelo outro lado vemos as escolas particulares, instituições empresariais com fins lucrativos, as quais têm como único objetivo apresentar resultados. Para estas últimas instituições, o estudante é sua mercadoria. Ensinando-o um conteúdo extremamente extenso e sem finalidade específica com exceção da prova conhecida como “o Vestibular” e dos exames qualificadores como o ENEM. O sucesso do estudante em tais exames significa, aos olhos dos possíveis consumidores do serviço escola, a “eficiência” da instituição.

         As universidades, além de não serem acessíveis a grande maioria dos brasileiros, apenas continuam o processo de linha de montagem iniciado nas escolas. O conteúdo, ainda no mesmo padrão escolar, continua a ser extremamente amplo e sem objetivo específico além das provas. É provável que todo esse conhecimento forçado aos estudantes seja mais um mecanismo de alienação. Ao lembrarmos do famoso detetive fictício Sherlock Homes, diz ele que a mente é como uma sala, se enchermos esta sala de informações inúteis, não haverá espaço para as informações de real importância. Além de essas informações irrelevantes ocuparem o espaço, elas ainda dificultam a organização do ambiente. Neste caso o ambiente em questão é a mente. Não é a toa que nos sentimos tão cheios de idéias e na hora de nos expressar nos encontramos tão vazios e superficiais.

         É nessas horas que concordo com Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, em que a melhor filosofia é a não-filosofia. É escrever sem complicações gramaticais e sem os termos técnicos, ambos os quais mascaram a falta de conteúdo dando aos usuários a falsa sensação de superioridade intelectual. Como escreveu Raul Seixas, ser “raso, largo e profundo”.

         No próximo passo, a busca por emprego, ou a vida útil do indivíduo. O ex-estudante, agora representado por seus diplomas e boletins, se mostra disposto a trabalhar oito horas por dia, cinco à seis dias por semana. O trabalho, idealizado como a base do progresso social, é a solidificação da diferença entre classes. O grande avanço de produção vivido no final do século passado, não acompanhou o aumento do número de empregos. As indústrias produzindo e vendendo mais, porém contratando menos. Com o avanço da robotização, tivemos o grande “boom” do desemprego, junto ao “boom” da produção. Sendo os funcionários em menor número e com o aumento salarial não proporcional ao crescimento da indústria, muito menos se considerarmos o número de demissões, o contraste entre empregados e empregador se torna mais e mais nítido.

         Vivemos hoje uma época de invasão de produtos chineses, e grandes investimentos internacionais em países como Índia e China. As grandes empresas internacionais, como Nike e Adidas, buscam a mão-de-obra barata e produção em massa. Essa defasagem entre os gastos e os ganhos de uma empresa era chamada por Karl Marx de mais-valia, ou simplesmente lucro, na linguagem usual. A busca pela maior renda e menor preço de venda é a causa do trabalho semi-escravo nesses países, é a causa de ausência dos direitos trabalhistas. Além da situação deplorável do trabalho nesses pólos de investimento, não podemos deixar de ver os seus reflexos no Brasil. As jornadas exaustivas de oito horas e a alta carga de trabalho, que há vezes em que chegam a ultrapassar esse número de horas previsto por lei, são a prova de que o Brasil não foi poupado do “capitalismo selvagem”. Seguindo o velho lema de quem se omite consente, o trabalhador, que acorda às sete horas da manhã e trabalha até o fim da tarde, contribui para a cristalização desse modelo social, uma vez que o trabalhador submisso é a base desse sistema. Se deixar ser explorado é a chave da exploração.

         Como se não fosse merecido descanso após uma média de cinqüenta anos de dedicação, chega à etapa final, o descarte. Além de a aposentadoria pública no Brasil ser insuficiente para suprir as necessidades da terceira idade, como a saúde que já esta mais fragilizada a essa idade, a possibilidade de se manter no mercado de trabalho é extremamente reduzida. Uma vez que pessoas de mais idade têm fama de serem mais devagares e por tanto menos produtivos, o empresário, visando à produção, tem preferência por um funcionário mais jovem, com mais energia e menos necessidades especiais. O Estado não fornece hospitais de qualidade e nem todos os medicamentos necessários. O cidadão, que trabalhou a vida inteira “pela sociedade”, agora se encontra abandonado por ela. Agora, que existe a maior necessidade de fonte de renda para seu sustento, é quando menos ele recebe. Em casos extremos, que infelizmente não são poucos, o indivíduo consegue se manter vivo enquanto trabalhar. E estes mesmos indivíduos morrem trabalhando, sem nunca terem tido o direito ao descanso.

         Cabe a nós mesmos nos alertar qual é o valor do que pagamos e qual o valor do que recebemos. Em uma sociedade em que não vemos mais as pessoas, vemos somente objetos. Em que tudo tem um valor capitalizável agregado. Cabe a nós decidir entre o silêncio e o manifesto.

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